🔗 Uma leitura econômica sobre a crise política
Domingo passado eu vi algo que mais uma vez me deu subsídios para a minha teoria sobre a atual crise política. Eu assisti ao Fantástico.
O Fantástico é um programa que sempre repercute o grande fato da semana, que basicamente define a agenda do que estará “na boca do povo” na segunda-feira pela manhã. Bom, o grande fato da semana passada foi a condução coercitiva do Lula, então seria de se esperar que a maior reportagem do programa seria sobre isso.
Mas não foi. Provavelmente por terem se dado conta de que quanto mais espaço na mídia é dado ao Lula, pior para a oposição a ele. Muito já se discutiu sobre como ele usa da sua oratória e apelo popular para se colocar como vítima da situação, nem vou chover no molhado aqui. O curioso é qual foi a grande reportagem do Fantástico.
A maior fatia de tempo do Fantástico foi dedicada a mostrar mega-obras da Copa inacabadas. Grandes elefantes brancos, como terminais de ônibus sub-utilizados, linhas suspensas de VLT que ligam nada a lugar nenhum, cada uma delas retratadas através da história de uma pessoa da classe operária que seria beneficiada se a obra tivesse sido concluída. Em cada história, o custo milionário (ou bilionário!) da obra, a menção a verbas federais e estaduais, a justificativa do governo estadual responsável pela obra dizendo invariavelmente que “rompeu o contrato e vai fazer um novo e terminar a obra” e o nome da empreiteira envolvida. Odebrecht. OAS. Andrade Gutierrez. Na quarta, Mendes Júnior, menos presente nos noticiários da crise, aí então fizeram o complemento “também indiciada na Lava-Jato”.
Aí estão, estabelecidas, as grandes vilãs da corrupção no Brasil. Ao final de tudo, quando a poeira da disputa política baixar (e vários inimigos da crise de hoje terão certamente apertado as mãos), haverão nomes que enfim serão unanimidade como saco de pancadas: as empreiteiras. A esquerda, com justiça, as demonizarão com o argumento do financiamento privado de campanha e da corrupção inerente a esse modelo. A direita, com justiça, as demonizarão por terem feito cartéis, subvertido a livre concorrência e compactuado com esse governo que aí está. Enfim, coxinhas e petralhas concordarão com alguma coisa, e a liderança política que aparecer com esse discurso ganhará o apreço popular “acima da polarização” e a crise política, enfim, vai passar.
O custo real disso tudo será na economia nacional. Há mais de seis meses, vi um desses debates na GloboNews, à época que os cabeças das empreiteiras começaram a ser presos. Lembro do mediador perguntando para os analistas convidados:
“Mas tem tanta obra enorme no Brasil, Belo Monte, etc. — se todas as grandes empreiteiras estão envolvidas e elas quebrarem, quem vai tocar as obras?”
O analista não piscou para responder: “Ah, os americanos, os japoneses.”
Ao olhar a lista de doações das campanhas presidenciais, independentemente de partido, a gente vê basicamente a lista das maiores empresas de capital nacional. Ao olharmos a lista do Valor1000 das maiores empresas do Brasil, vemos que as empresas estrangeiras dominam todo tipo de área (eletroeletrônicos, veículos, telecom, etc.), e as empresas brasileiras no alto da lista se resumem a energia, construção civil e agronegócio. Não por acaso, são as áreas no centro da crise.
O Brasil é um país emergente, em desenvolvimento, e por esse processo de desenvolvimento passa a construção de uma infraestrutura enorme que o país precisa para crescer. Infraestrutura essa que já está consolidada em outros lugares já desenvolvidos. Decimar a indústria de infraestrutura nacional vai ser o saldo da crise, e a madura indústria de infraestrutura estrangeira está pronta para ocupar esse vazio.
Os grandes movimentos no tabuleiro do jogo em andamento não são o destino do Lula, ou do Cunha, ou da passeata na rua ou do julgamento no STF. Esse é o circo. São as renegociações do pré-sal, são as quebras dos contratos de infraestrutura, é o futuro das indústrias que ainda são nacionais.
Não estou aqui defendendo Odebrecht, Andrade Gutierrez ou quem quer que seja. Mas quando as empreiteiras que constroem o país forem todas estrangeiras, elas vão organizar os seus cartéis lá fora, longe do alcance dos grampos, batidas e operações da PF.
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