🔗 Improviso
Se você é uma das sete pessoas que estavam no saguão de embarque da estação rodoviária de Campinas ontem depois da meia-noite, então você me assistiu tocando piano improvisado durante uma hora e meia.
Cheguei na plataforma para pegar o ônibus das 23:59 e fui informado que a linha vinha de Cuiabá e estava atrasada, sem previsão de horário. Como que numa cena de filme, eu viro de costas para procurar um lugar para sentar e lá está um piano de cauda, que eu nunca tinha reparado que estava ali bem no centro do saguão, em frente à Casa do Pão de Queijo, que como tudo mais na rodoviária já estava fechada.
Sentei no piano, instrumento que eu não tocava há mais ou menos um ano (desde que me arrisquei em um que também dava sopa, em um café em Belo Horizonte).
Das sete pessoas do meu público, acho que umas três estavam com fone de ouvido fazendo a sua própria trilha sonora. Para as demais, toquei acho que uma hora ao todo de improviso puro, intercalando com algumas músicas que me vinham à cabeça ou que eu resolvi tirar na hora e tocar no piano pela primeira vez. O repertório teve Great Gig in the Sky, Time, Breathe, Color Bleed II, Beth Balanço e até Horizontes (”Há muito tempo que ando…”).
Toquei o mais ininterruptamente que pude, exercitando a arte de tatear procurando acordes de uma maneira que soasse minimamente musical. Não sabia se estava incomodando ou agradando quem quer que seja, até que ouvi entre uma música e outra uma mulher ao longe que reclamava com o funcionário sobre o atraso dizer “se não fosse pelo menos o rapaz tocando ali…”, sem completar a frase, mas com um tom de voz que indicava que eu estava tornando a espera menos monótona.
À uma e meia da manhã, um homem sentado ao longe apontou pra mim e pro ônibus que enfim chegava, pra me avisar. Quando fomos pra plataforma formar a nossa fila, ele me estendeu a mão pra me cumprimentar, agradeceu e disse que, em particular, curtiu o blues. A mulher da reclamação também me agradeceu: “obrigado, hein, com você tocando foi bem mais…”, de novo sem completar a frase, mas terminando com um sorriso.
Entrei no ônibus, amarrei o fom no pescoço e fui dormir feliz.
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