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🔗 Maratonando o Uliverso

Esses dias estava conversando com Ulisses e nos demos conta de que eu estava extremamente atrasado ao acompanhar a sua filmografia, geralmente porque ou estvávo: os filmes só ficavam disponíveis na internet anos após o hype dele já ter passado nas redes sociais (e na nossa rede de amigos, vários deles frequentemente envolvidos na produção).

Pra resolvermos isso, o Ulisses me passou os links pra sua filmografia, incluindo dessa vez acesso restrito aos filmes que ainda estão no ciclo de festivais. Resolvi fazer algo mais divertido do que apenas assistir os filmes que eu ainda não tinha visto: resolvi maratonar a filmografia de Ulisses da Motta—o uliverso, porque eu adoro um bom trocadilho—em sequência. Como critério, resolvi seguir a playlist da filmografia no canal do Ulisses, porém seguindo em ordem cronológica do passado ao presente, o que significa que, comparando com a filmografia no IMDB, deixei de fora os videoclipes e o vídeo pedagógico “Cecília e a Guerra dos Farrapos”. Prometi ao Ulisses que escreveria sobre as minhas impressões, então parei para escrever sobre cada filme logo após assistir, o que resultou em uma viagem pelo uliverso de praticamente duas horas. E esse foi o resultado!


O Gritador (2006, 15 min.) - Dirigido em conjunto com meu também amigo Carlos Porto (uma das duas co-direções na lista), o filme captura bem aquele ar de aventura adolescente dos anos 80, que a geração de hoje provavelmente associa com “Stranger Things”, mas com um tempero extremamente gaúcho: não só no tema e nos sotaques, mas naquele ar de “Curtas Gaúchos” que passavam na TV do Rio Grande do Sul mais ou menos na época em que ele foi feito. Uma alegria ver tantos nomes conhecidos nos créditos. E um comentário aleatório: me chamou a atenção ver um jovem gaúcho no meio dos anos 2000 usando o termo “maneiro”; a minha lembrança era que esse termo não circulava tanto por aqui nessa época — eu morava no Rio de Janeiro na época em que ele foi feito. É curioso como filmes acabam se tornando registros dessas coisas.

Ninho dos Pequenos (2009, 12 min.) - A sensação é um 180 graus em relação ao anterior. Se “O Gritador” tinha uma leveza e simplicidade adolescente, “Ninho dos Pequenos” se esforça para ter um gravitas adulto. Se “O Gritador” trazia uma naturalidade coloquial no diálogo, em “Ninho dos Pequenos” a fala é literária, carregada de drama. O tema de distância e saudades, no mundo extremamente conectado de 2022, acaba tendo para mim uma leitura extremamente diferente hoje do que em outros tempos — e talvez até no tempo do filme, o que me fez questionar a minha própria interpretação da história quando assisti há muitos anos, e hoje de novo ao reassistir.

Kassandra (2013, 24 min.) - Da aventura ao drama ao horror: Ulisses segue se experimentando em gêneros, mas agora a sequência da construção de um estilo começa a ficar mais evidente. O ritmo da construção da história, que faz o espectador ir reconstituindo os acontecimentos, lembra um pouco o curta anterior. Mas enquanto “Ninho dos Pequenos” se esforça para ser mais maduro que “O Gritador”, “Kassandra” simplesmente é, ao natural, uma obra mais madura que as duas anteriores. A progressão do refino da técnica em todos os aspectos é evidente, ainda mais com tantos nomes recorrentes na equipe dos filmes.

Luz Natural (2015, 14 min.) - Se o estilo vinha se construindo, agora está bem estabelecido. Algumas características se repetem: a não-linearidade da construção da narrativa, o papel de destaque da música, e um certo conflito entre o natural e o não-natural, que dessa vez contrapôs a naturalidade da luz com a coreografia da primeira cena. Sabendo do envolvimento do Ulisses com videoclipes, essa combinação não surpreende de todo. Mas talvez o aspecto comum mais evidente dos últimos três filmes sejam a protagonista que nunca entrega todo o mistério, sobre quem nós sempre queremos saber mais. Em um certo momento senti que o outro personagem, tão intrigado, era a projeção do próprio diretor, que tenta desenrolar o mistério dessa musa que aparece sob diferentes rostos e nomes em cada filme (e a camiseta do Poderoso Chefão na cena seguinte reforçou essa suspeita).

Venatio (2016, 4 min.) - Pegada de videoclipe, e passar boa parte se perguntando “mas o que é que está acontecendo, mesmo?” — maratonar a filmografia do Ulisses em sequência começa a trazer uma certa familiaridade aos temas. É interessante como ele consegue produzir esses mesmos efeitos e completar o arco em algo como 4 minutos—é o mais curto dos filmes até agora. O filme é essencialmente uma cena de perseguição, e eu gostei bastante de como os cortes e atuações produziram ambiguidade na medida certa; a sequência foi construída sem gerar “despistes” para produzir um twist barato. Se a resolução do filme gerar um certo tipo de surpresa, a culpa é inteira do espectador.

Pelos Velhos Tempos (2018, 4 min.) - A outra co-direção da lista, dessa vez com Roger Monteiro, o roteirista. Assim como “Luz Natural”, “Pelos Velhos Tempos” começa ao som do chiado do vinil e de uma voz feminina, em mais um curta de 4 minutos. Talvez outra constante que eu não houvesse identificado ainda é a experimentação não só de gêneros, mas também de formatos. Cada filme parece ser uma exploração de uma técnica diferente: nesse, um filme inteiro feito de planos fechados. Assistindo, eu tive uma certa dificuldade de estabelecer o tempo em que se passava a história, mas esse foi o único mistério dessa vez. O enredo nesse é menos uma descoberta que se desenrola e mais a sensação de cair de pára-quedas no meio de um longa, não fosse a estética—muito bem realizada—dos planos, que nos mantém na aura mais experimental típica dos curtas.

Fragmentos Ao Vento: 1945 (2020, 18 min.) - Se os quatro anos entre “Ninho dos Pequenos” e “Kassandra” proporcionaram um salto na qualidade final, dessa vez os cinco anos desde “Luz Natural” até o retorno a um formato mais extenso fizeram ainda mais diferença. Se “Pelos Velhos Tempos” parecia uma filmagem alternativa de uma cena de um longa, os 18 minutos de “Fragmentos ao Vento: 1945” definitivamente têm o andamento e escala de um trecho de um longa. Nada de “aura de curta” aqui. Das características recorrentes, o destaque à música e a capella feminina dão as caras mais uma vez. A abertura diz (e a internet me confirma) que o título não é um acaso, e essa instância de 1945 é parte de um projeto maior, o que faz todo sentido. Aguardo ansioso pelas outras partes, e pelo que li dos planos, parece que teremos novamente uma narrativa não-linear, mas dessa vez em uma escala macro, entre os capítulos da antologia.

Estudo sobre Esgrima Criolla Nº 2 (2022, 6 min.) - Esse é um item um tanto diferente da lista, por ser um curta produzido como uma variante de um videoclipe. Assisti ao clipe (“Spark of Hope”, da Rage In My Eyes) após assistir o curta e a diferença mais interessante é que o clipe possui uma cena a mais de exposição da história que o curta não tem—ou seja, enquanto o clipe “explica” a história com todas as letras, o filme não, o que de certa forma é consistente com o resto da filmografia do Ulisses. A estética segue com a beleza dos trabalhos mais recentes, a música segue em primeiro plano, a personagem feminina segue tendo um ar de mistério, e existe uma quebra de naturalismo em certas cenas coreografadas, que remontam a alguns dos trabalhos mais antigos.

Ao final dessa maratona, eu já me pergunto se eu seria capaz de reconhecer um filme do Ulisses sem saber que é dele, e começo a desconfiar que sim, apesar do próprio fato de que a variação de gêneros e técnicas seja uma constante garanta surpresas em cada filme novo. Talvez em algum momento a surpresa seja que o período de experimentações dê lugar a uma estética mais estabelecida, e é bem possível que desde “Fragmentos ao Vento: 1945” já estejamos vendo isso. De toda forma, foi um prazer (e um privilégio!) maratonar o uliverso. No aguardo dos próximos filmes, e espero ver eles no ano em que ficarem prontos!

🔗 Quarta-feira, 10 de julho de 2013

Achievement unlocked: entreguei ontem uma monografia para uma cadeira do doutorado em informática onde consegui enfiar citações de Gilles Deleuze e Félix Guattari, Paul Krugman e Douglas Hofstadter.

E viva o comportamento emergente de sistemas complexos representados pelo crescimento das cidades como um exemplo de caos que demanda a construção de conceitos e estabelecimento de relações para que se faça seu entendimento através da maneira de pensar do design!

🔗 Mini book review: “Eu, Tituba: bruxa negra de Salem”, Maryse Condé

“Eu, Tituba: bruxa negra de Salem” é um livro de ficção baseado na história real de Tituba, uma escrava que foi acusada de bruxaria no julgamento das bruxas de Salem, na América colonial.

Leitura fluida e leve apesar do tema, o livro conta a história de uma Tituba ficcionalizada em primeira pessoa. No livro, ela é filha de uma escrava negra e um inglês; nos registros históricos o consenso é que ela foi uma nativa de uma tribo da América do Sul. A autora usa de realismo fantástico para construir uma narrativa envolvente, centrada nessa figura que tantas vezes foi excluída dos famosos relatos dos julgamentos das bruxas de Salem.

🔗 Mini book review: “Brimos”, Diogo Bercito

“Brimos” conta a história de várias famílias sírio-libanesas que produziram descendentes que se tornaram nomes relevantes na política brasileira, de Temer e Maluf a Haddad e Boulos.

Uma leitura leve. Contém um bom background da realidade dos sírio-libaneses que chegaram ao Brasil no fim do século 19 e início do 20, com foco primário no Líbano. Escrito de forma acessível para quem não conhece nada deste universo, e ainda assim agradável para quem o conhece. Muitas das histórias são parecidas, mas ao mesmo tempo cada uma delas parte de diferentes realidades no Líbano e traçam histórias de vida no Brasil por gerações que não por acaso resultam em trajetórias políticas tão diferentes. Um livro que meu falecido pai gostaria de ter lido.

🔗 Terça-feira, 7 de março

Estava entre Ipanema e Leblon. Entrei numa banca de jornal, pela primeira vez em muito tempo, movido por pura curiosidade de olhar as revistas, além das capas de Veja, IstoÉ e Carta Capital que eu vejo penduradas todo dia. Fiquei me perguntando quem compra as revistas de dentro da banca hoje e quais revistas eu encontraria lá dentro.

Meu olho foi correndo meio a esmo. No fundo eu queria saber se acharia uma Guitar World, como as que o meu irmão mais velho comprava quando eu era criança, mas não achei.

A prateleira da altura dos olhos (sempre a mais importante no comércio, aprendi pequeno em casa) é tomada por revistas de palavras cruzadas da Coquerel.

Um livrinho “Old Games” exibia um grande logo do MSX. Dizia “436 jogos”. Fiquei imaginando se sairia uma edição do Apple II.

Num canto, os quadrinhos de faroeste do Tex. Quando eu era criança, elas já ficavam num canto da banca. Quando eu era criança, eu já me perguntava “quem diabos compra revistas do Tex?”

Revistas de mangá. Muitos mangás. Acho que tantos quanto revistas de palavras cruzadas. Esses não existiam na banca quando eu era criança.

Olho pra baixo, e pra minha surpresa aonda existe Disney Especial. “Os Cineastas”. Quando eu era criança muitas dessas edições já eram reedições do tempo que os meus irmãos mais velhos eram crianças.

Minha jornada nostálgica à infância é interrompida quando uma voz pergunta ao jornaleiro, que estava tranquilamente me ignorando atrás do balcão:

“Tem seda?”

Era um guri loirinho de cabelos cacheados, camiseta de uniforme de colégio particular, nenhum fio de barba no rosto, guiando uma bicicleta elétrica. Ele e o jornaleiro trocaram duas frases, acho que sobre o tipo de seda, não entendi direito, logo ele partiu.

Fui embora da banca. Não comprei nada, mas saí de lá me sentindo ao mesmo tempo velho e criança.


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