🔗 O que é afinal a PEC 37?
Não preciso fazer introduções sobre tudo o que está acontecendo no país essa semana. Em meio às manifestações e protestos, o que eu estou mais gostando de ver é um clima de debate político, uma pausa na (e quem sabe o fim da?) apatia generalizada, e finalmente muita coisa está sendo falada, ouvida e pesquisada. Vários já falaram dos problemas das causas inócuas, excessivamente genéricas e que não levam a lugar nenhum (tipo “abaixo a corrupção!”, que é o mesmo que gritar “abaixo o crime!”). Algumas causas concretas, porém, estão sendo levantadas. Muita gente quer causas concretas, então quando uma aparece todo mundo está se agarrando nelas.
A que mais aparece ultimamente é o “não à PEC 37”. Mas o que é afinal a PEC 37?
tudo por um artigo
nesse livrinho
Se você clicou no link esperando que eu iria explicar, sinto muito decepcionar. Eu realmente não sei direito o que é PEC 37 e quais as suas implicações. Eu tentei entender o que é a PEC 37, li tudo o que chegou ao meu alcance a respeito nos últimos dias, e mesmo assim não consegui entender. Como não consegui entender, obviamente não tenho ainda opinião formada, se sou a favor ou contra.
Achei a dificuldade em conseguir entender isso, ao mesmo tempo que todo mundo está abraçando a causa rapidamente, alarmante.
Vou compartilhar com vocês aqui as informações que eu consegui coletar, pra pelo menos iniciar um debate e aí a gente tentar entender do que diabos se trata essa Proposta de Emenda Constitucional.
Em primeiro lugar, temos que riscar definições simplistas do tipo “é a PEC da Impunidade” ou “é a PEC da Legalidade“. Também não é “uma lei que impede de investigar políticos” ou qualquer definição de uma frase dessas.
Em segundo lugar, não podemos confundir duas coisas que estão circulando juntas: a PEC 37 e a PEC 33. A PEC 33 parece bem menos “controversa” por que é uma canalhice às claras: é só ver a definição dela no próprio documento oficial: Altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição. Em suma, ela tira poder do STF e condiciona às suas decisões ao Legislativo: isso sim iria fazer os políticos se safarem do julgamento do STF! Não à PEC 33!
Agora, sobre a PEC 37… é bem mais complicado que isso. Até onde entendi, é uma grande briga entre o Ministério Público e as Polícias (Civil e Federal). Comecei também olhando o documento oficial: acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
Aí já não dá pra tirar uma conclusão em uma frase. Mas atentem para o “definir”. A Constituição já define que o papel investigativo é da polícia, mas não define claramente que o MP não pode investigar.
(Antes disso, um parênteses: você sabe dizer o que é Ministério Público? Eu, pelo menos, não sabia dar uma definição clara. Lendo a descrição na Wikipedia que cita a constituição é super confuso (”é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”… lindo, mas so what?), mas incrivelmente a Wikipedia em inglês é mais clara sobre isso: é o órgão brasileiro dos procuradores públicos independentes. “Procurador“, pelo menos, eu sei o que é: é o cara no julgamento que faz a acusação.)
O Ministério Público, atualmente, além de acusar, também conduz investigações em determinados casos, e existe um conflito sobre quem investiga o quê. Essa é a polêmica.
O lado do Ministério Público diz que faz um serviço relevante ao país e que se não for ela investigando vai ter impunidade, e que quanto mais gente investigando coisas no Brasil, melhor. Existe também o argumento de que há processos em andamento onde questiona-se a validade da investigação por ter sido feita pelo MP. Se a PEC 37 passar, essas investigações perderiam o valor e caras que já foram “quase pegos” poderiam se safar (até onde consegui entender não há valor retroativo, então quem já foi condenado não escapa). Outro argumento que é outros órgãos, como a Receita Federal, se aproveitam dessa “lacuna” da constituição e fazem investigações por conta própria sem passar pela polícia. Com a PEC 37 a lacuna é fechada e só as polícias podem investigar.
O lado da Polícia Federal diz que ela já investiga e que investigações importantes dela, como por exemplo a operação Satiagraha, acabam sendo travadas por outros órgãos. A PF diz também que ela está lá fazendo todo o trabalho de investigação criminal Brasil afora e que o MP só toma pra si as investigações que “dão mídia” e que o Poder Jurídico deveria trabalhar nas coisas que são a sua atribuição constitucional (e todos sabemos que o Jurídico está atolado de trabalho pra fazer) em vez de fazer o trabalho que é da polícia. O argumente é que situações onde um órgão faz o trabalho de outro desestabiliza o equilíbrio dos poderes (e é justamente porque a PEC 33 é ruim, por exemplo).
Até onde eu vejo, é uma guerra de poder e vaidades. Esse ano, no caso do Mensalão, o STF tem aparecido como os “salvadores da pátria” a ponto de ter gente querendo o ministro Joaquim Barbosa como presidente (wtf!?). Mas quem puxar um pouquinho da memória vai lembrar que há poucos anos atrás quem aparecia como “salvadores da pátria” era a PF, com suas Operações com Nomes Divertidos, que deram vários resultados interessantes (e também acabaram servindo de plataforma política pra uns e outros).
(Mais um parênteses: Eu pessoalmente, fico muito feliz de ver o STF e a PF fazendo trabalhos relevantes pro país, mas ao mesmo acho que eles não estão fazendo mais do que a sua incumbência e não são “salvadores da pátria”. Em tempos atuais, tem gente que fala do STF quase como se fosse o poder moderador da monarquia onde, em caso de qualquer dúvida, “manda pro Supremo decidir”.)
Em caso de situações polêmicas, é sempre muito tentador tentar descobrir quem é a favor, quem é contra, e com base nisso escolher um lado com base no quanto a gente confia num lado ou no outro. Tipo, “se os conservadores são todos a favor, então serei contra, ou vice-versa”. Por mais que esse atalho funcione muitas vezes, não é por aí — ter uma opinião sem pensar sobre ela não é ser mais politizado do que não ter opinião. É, sim, mais perigoso.
Pra esse caso da PEC 37, por exemplo, a divisão dos campos não parece ser nada clara. Tem gente grande dos dois lados contra e a favor e julgar na base do “quem é a favor e quem é contra” é difícil. Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça é contra, o Reinaldo Azevedo da Veja é contra (mas faz a mesma ressalva de que o “MP tenta agir como um Quarto Poder” que aqueles que são a favor fazem), um editorial do Estado de São Paulo é a favor, a OAB é a favor (e sugere alterações). É uma salada.
Ainda assim, tem coisas que me deixam de pé atrás. O Arnaldo Jabor, que era contra os protestos semana passada (”esses baderneiros não valem nem 20 centavos”) e que agora é a favor (”amigos, errei”) e publica uma frase como “amigos das redes sociais, lutem contra a PEC 37 ou nunca mais poderão conter a roubalheira”. O próprio Reinaldo Azevedo contradiz o Jabor: “há, evidentemente, um notável exagero nessa história de que, se aprovada, estará instaurada, no país, a impunidade como princípio. Não por isso. É falsa a ilação de que só o Ministério Público conduz investigações sérias e isentas.”
Todos queremos causas concretas. Mas antes de saber se sou a favor ou contra, quero entender a fundo essa questão pra não ter risco de ser massa de manobra de caras como o Jabor.
Toda informação é bem-vinda.
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