🔗 O ruído de fundo constante na mente
Uma observação interessante. Nessa Copa do Mundo, como eu estou assistindo a tantos jogos seguidos na Globo, um efeito colateral é que fazia muito tempo que eu não assistia tantos comerciais, e tantas vezes os mesmos comerciais. Cada comercial individualmente nem me irrita, e vários são até divertidos, mas perceber essa repetição constante, com os jingles e slogans ecoando na cabeça, é bem desconfortável.
Fiquei pensando agora em quem assiste, por exemplo, novela ou o mesmo telejornal todo dia, seis vezes por semana… assistindo aos mesmos comerciais. Só agora que eu me desacostumei a ver comerciais, eu pego a dimensão do ruído de fundo constante na mente.
Quando eu vejo alguém usando a internet num computador sem ad-blocker instalado, eu tenho o mesmo choque. As pessoas são aparentemente “anestesiadas” a ver sites carregados de propagandas. Quando eu aponto pra elas e recomendo ad-blocker, elas dizem que “nem reparam” ou que “não incomoda”. Mas eu pessoalmente duvido que isso não tenha efeito (ou então uma empresa como o Google não seria multibilionária apenas na base de propagandas, como é).
Fico feliz por mim, por me dar conta que eu consegui achar uma maneira de viver livre de algumas dessas fontes de ruído mental, mas triste sempre que relembro que esse ruído é tão disseminado.
🔗 Sobre meritocracia e igualdade, na sociedade e no software livre
Meu amigo Evandro postou o link para um belo texto, a que ele precedeu com o seguinte epigrama, cirúrgico:
Meritocracia individual vs meritocracia social.
Recomendo bastante a leitura.
Acho bem interessante levantar essa questão do significado de “meritocracia”. É uma palavra cuja conotação foi mudando em tempos recentes.
Há alguns anos o termo definitivamente não estava na ordem do dia. Eu nunca tinha ouvido ninguém falar.
O primeiro contato que tive com o termo era dentro de comunidades de software livre, pra explicar como as coisas funcionam lá. Ali, eu achei uma ideia ótima. Sempre fui defensor.
Recentemente, teve essa inversão. A tal “classe média reacionária” de que o texto fala começou a defender o status quo de qualquer desigualdade. E fazer isso sempre em nome da tal meritocracia. Aí as coisas começaram a ficar estranhas pra mim. Não demorou pro pessoal de esquerda abraçar o discurso “abaixo a meritocracia!”. Eu, que não nego que sou de esquerda, fiquei olhando com uma cara de “ei, peraí, mas mas…”
Aí o texto (e o preciso destaque de cinco palavras do Evandro) desata esse nó claramente. Tem uma diferença fundamental entre as meritocracias do parágrafo anterior e a do anterior a esse. A meritocracia no mundo do software livre é uma meritocracia entre membros que têm condições iguais. Todo mundo ali é programador, tem formação, acesso a computador, internet, etc. Dadas todas essas condições, aí realmente fica aquela coisa do “quem contribui mais, apita mais”. Na outra, é uma “meritocracia” onde muito poucos têm sequer chance de mostrar algum mérito. E se a maioria está de fora, é mesmo o mérito que define quem está no topo?
Só que até na meritocracia bonita do software livre a coisa tem uns furos não totalmente aparentes. E nem estou considerando que estamos olhando só pro universo da informática, o que já é uma restrição. Quem não tem o perfil típico tem dificuldades pra entrar nas “panelas”, não importam seus méritos. Vide os casos de sexismo em conferências e comunidades de desenvolvedores, por exemplo. Cadê a meritocracia? Outro ponto foi levantado por um amigo no Twitter. “Open-source development is not as much as a meritocracy as it is a have-enough-time-ocracy”… Acaba que os mais presentes/insistentes muitas vezes “vencem pelo cansaço” as discussões.
Igualitarismo é às vezes visto como o contrário do culto ao mérito. Afinal tem o problema do “freeloader” que se encosta no “sistema”, etc. Mas o que eu acho é que estruturas como a do software livre geram condições mais igualitárias por design. Considere o conceito do copyleft, por exemplo: “usou o código aberto, agora abre o seu código também”. Isso acaba abrindo mais espaço para o verdadeiro mérito se destacar, uma vez que o “campo de jogo” está mais nivelado. Software livre sozinho não resolve, vide os problemas que apontei. Além disso há modelos mais e menos simétricos de software livre. Mas acho que aponta um tipo de modelo possível. É diferente do igualitarismo “top-down” de Estado. Infelizmente, vejo essa ideia expressa muito pouco em outros lugares.
É preciso, como disse o texto, criar uma outra cultura do mérito. Além disso, precisamos de novos conceitos de igualdade. Afinal, ambos estão em falta.
🔗 Neutralidade da rede: a discussão é global, a Europa vota amanhã
Esses dias, alguém me perguntou se a defesa da neutralidade da rede também tem sido discutida em outros países.
SIM! A votação similar no Parlamento Europeu está acontecendo amanhã. “Coincidência”, né?
Está rolando uma campanha forte para que as pessoas contactem seus representantes. (Alô amigos aí que têm dupla cidadania europeia!)
Esse debate do Marco Civil da Internet está acontecendo dentro de uma discussão em escala global. Não é uma mera picuinha em Brasília.
E o que nos interessam as leis da Europa? Em primeiro lugar, elas definem precedentes. Em tempos de Organização Mundial de Comércio, há muito não dependemos somente das nossas leis locais. O que se torna prática de negócio comum no mundo acaba chegando aqui via pressão na balança comercial. Em segundo lugar, o motivo dessas coisas estarem acontecendo agora em diferentes lugares não é coincidência, é pressão de lobbies das multinacionais de comunicação (ou seja, o lobby de lá é o mesmo lobby daqui). Em terceiro lugar, pela própria natureza da internet o que acontece na internet da Europa e na internet dos EUA nos afeta aqui.
A nossa política interna é sempre um pedacinho da geopolítica, muito mais do que aparenta. Pintar a nossa realidade puramente em termos internos (ou pior, partidários) é uma ilusão. Acompanhar política internacional não é uma “curiosidade”.
http://www.savetheinternet.eu/
🔗 Marco Civil da Internet: o assunto é sério!
Das várias coisas discutidas dentro do Marco Civil da Internet, a principal questão em jogo é a “neutralidade da rede”. Isto é, é a ideia de que a internet é um condutor neutro de dados. O que isso significa em termos práticos? Significa que os provedores de internet devem prover acesso integral, e não filtrar conteúdos e cobrar a mais por eles.
Nos EUA já existe uma briga grande entre provedores de TV a cabo (que proveem internet através dos seus “combos”) e sites como Netflix. O Netflix usa a internet para prover um serviço de TV de melhor qualidade do que a própria TV a cabo. As operadoras não gostam de “carregar os dados para o concorrente”. Ao invés de prover um serviço melhor, elas querem silenciar a concorrência.
Aqui no Brasil já se começam a ver ameaças à neutralidade da rede. Começa com o “Facebook e Twitter grátis no seu celular pré-pago”. O que de início parece um ‘brinde’ na verdade é uma forma de começar a incutir a ideia de que “uns sites custam mais do que outros”.
Serviços de VoIP como Skype também já são detectados por operadoras de celular e cobrados em separado ou bloqueados. Como no caso do Netflix, é porque eles oferecem um serviço melhor do que a própria operadora.
A proliferação desse tipo de negócio põe em risco a estrutura aberta da internet como a conhecemos. Como diz o Gilberto Gil no texto da petição do Avaaz, não podemos deixar a internet virar uma “uma espécie de TV a cabo, em que se poderia cobrar a mais para podermos assistir a vídeos, ouvir música ou acessar informações”.
Além do mais, se o conjunto de sites e serviços provido aos usuários for restrito tem consequências. Na prática, isso pode até acabar virando monopólio ou censura, pois novos sites não terão oportunidade de surgir.
🔗 Hoje tem novo protesto contra o aumento das passagens no Rio
Ano passado, os protestos começaram com o aumento de 20 centavos se amplificaram, fenômeno que todos lembramos. Conversei sobre política com pessoas com quem nunca tinha conversado. Ao meu ver o que aconteceu em 2013 deixou marcas fortes e positivas em muita gente.
Esse ano, porém, o aumento de 25 centavos passou virtualmente batido pela opinião pública. A única questão mais discutida foi a trágica morte do cinegrafista, que teve o efeito colateral de afastar as pessoas ainda mais das manifestações. Fui em três atos desde que a passagem subiu: aquele onde o cinegrafista morreu e dois seguintes. Estes últimos foram muito pacíficos e tiveram cobertura intensa da imprensa, brasileira e internacional. Curiosamente, a Etiene acabou dando entrevista pra repórteres estrangeiros em duas ocasiões diferentes.
Vejo lá muitos estudantes, alguns membros dos partidos de oposição à esquerda, e uma que outra pessoa que está lá para levantar uma causa específica. Me chama a atenção que não tenho visto nas manifestações os sindicatos. Ano passado eles eram muito presentes e tinham papel de organização. Também não vejo aquela “população em geral”, muitos dos quais, foram pra rua pela primeira vez nos eventos do ano passado.
Não tenho visto os protestos ganharem momentum. Falo com amigos e me dizem que estão com medo de participar. A pouca diversidade de representação nos protestos está tornando o discurso mais homogêneo, mas isso também afasta as pessoas. O protesto de hoje se diz contra o aumento da passagem mas também “pela estatização dos transportes”. Essa última é uma bandeira que muita gente não defende, e com a qual eu tenho pé atrás. Ao fim, vai deixando de ser um protesto plural e vai chegar uma hora que eu também não vou querer defender uma bandeira que não é a minha.
Meu pé atrás maior, porém, é com a tônica dos protestos. Os estudantes gostam das palavras de efeito, os velhos slogans românticos da esquerda. Mas ao mesmo tempo perdem totalmente a oportunidade de falar com a opinião pública, de gerar empatia. Como eu comentei no último protesto, só quem está aqui, ouvindo os gritos são os policiais e os jornalistas. O Cabral não está lá e nem quer saber. Então em vez de fazer as demandas, perde-se tempo antagonizando os presentes? Pelo menos eles estão aqui. Em vez de gritar pros policiais “au au au cachorrinho do Cabral”, não faz infinitamente mais sentido aquele outro grito “você aí fardado, também é explorado”? O primeiro meramente extravasa a agressividade de quem grita, parecendo uma criança que atiça um cachorro brabo preso na corrente no quintal. Só gera mais raiva. O segundo grito gera empatia; porque é uma verdade: o policial sabe que é explorado. O policial faz cara feia e não perde a pose, mas ao ouvir o segundo grito, a gente sabe que por dentro ele concorda.
Minha impressão é que aquele público ali, formado principalmente por estudantes, quer em sua maioria protestar porque é o happening, a coisa a se fazer. No fundo a gente sabe que não estão ali realmente pelo aumento da passagem, é mais pela vontade de que os protestos cresçam até o que foram ano passado. Mas falta algo de real nos protestos. Ficam gritando sem parar “não vai ter copa”, um grito que foi remendado para “não vai ter copa e nem aumento”. É claro que vai ter copa! E o aumento já teve! Dá vontade de chacoalhar as pessoas ali e dizer “parem de brincar, bora falar sério!”
Depois de tudo que aconteceu ano passado, eu considerei esse aumento um insulto. Uma retaliação prática que fiz foi basicamente parar de andar de ônibus. Se é pra pagar R$3,00 por esse serviço que está sendo provido, eu pago R$3,20 e vou e volto da PUC de metrô com ar condicionado. Fazendo as contas, o que eu deixo de pagar pro cartel dos ônibus é como se eu tivesse “cancelado a NET” e mudado de provedor. É pouco mas é algo. Claro que estou numa situação peculiar de morar num lugar que é servido pelo metrô (precisei andar de ônibus uma vez apenas nas duas últimas semanas). Na real estou até satisfeito com a troca: apesar de agora precisar fazer uma conexão, na média o tempo que eu gasto é o mesmo. Infelizmente, foi anunciado hoje que ao contrário do anunciado anteriormente a tarifa do metrô também vai aumentar. O único jornal que colocou isso na manchete hoje foi o tablóide “Povo”, que o jornaleiro do meu bairro fez questão de pendurar com destaque. (http://jornalpovo.com)
Protestos, manifestar o descontentamento, funcionam. Em função do repúdio ao Marco Feliciano, esse ano a bancada do PT não vai deixar a Comissão de Direitos Humanos na mão do PSC. Ano passado a passagem abaixou, a presidente entrou em cadeia nacional, ações foram realizadas. Os protestos desse mês, embora ainda não cheguem perto dos do ano passado, já geraram reação virulenta de Veja e cia. Isso significa que estão sim incomodando. E com a proximidade da copa, espera-se que o que aconteceu ano passado seja relembrado. O que eu desejo é que até lá essa resistência já esteja mais amadurecida. Depende de cada um de nós.
Hoje eu vou mais uma vez ao protesto. Sempre um pouco como observador, vendo pra que lado a coisa vai, mas sempre que concordar com o grito, juntarei a minha voz. Estarei na Candelária lá pelas 18h. Apareçam! Ajudem a dar um bom rumo à coisa. O protesto só será não-violento e sensato se os sensatos e não-violentos forem.
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