🔗 O mundo não acaba na fronteira
Sempre me entristece quando eu lembro de como as notícias promovem uma visão de mundo que, bem, não é uma “visão de mundo”, mas só do nosso próprio umbigo.
Ilustro com dois episódios:
Enchentes no sul. Acompanhamos as notícias sobre as enchentes no sul do Brasil. Vi imagens, relatos sobre estado de emergência, reações do governo, etc.
Mas se não fosse a Al Jazeera English não teria visto nada sobre a real escala do que aconteceu:

“South America: Over 160,000 flee worst floods in 50 years
Paraguay, Argentina, Uruguay, Brazil and Bolivia have been battered by heavy rains blamed on the El Nino phenomenon.”
Zika vírus. Eu ligo a TV e vejo manchetes sobre a epidemia do zika vírus, especialmente na região Nordeste e sobre como ele está se alastrando pelo Brasil.
Mas se não fosse a internet não teria visto nada sobre isso:

O mundo não acaba quando chegamos na linha imaginária da fronteira nacional. As pessoas sofrendo do lado de lá são tão gente quanto as que estão sofrendo do lado de cá.
Uma vez tive uma discussão sobre isso com não-lembro-quem, que me dizia que o importante era se preocupar com as questões brasileiras em especial, onde eu precisei insistir: “por que a vida de uma pessoa que eu não conheço, totalmente estranha pra mim, que mora em Rivera, Uruguai, seria menos importante pra mim do que a vida de outro estranho qualquer que mora em Santana do Livramento, RS, Brasil, separados por apenas uma rua?”
🔗 Sobre a “nova economia” das empresas da internet
Vi essa imagem no Facebook:
Roteiro comum a todos esses:
- consiga uma graninha de de venture capital (seed money)
- use esse dinheiro para construir uma infraestrutura (site, aplicativo) para prover um serviço de middle-man para facilitar acesso centralizado a alguma coisa qualquer que esteja distribuída
- segundo round de investimento: (Series A round) apresente essa infra aos investidores e levante alguns milhões de venture capital, para sustentar a próxima fase [*]
- ofereça o serviço de middle-man gratuitamente à população, dando a eles a coisa com o preço do mercado (ou a prejuízo, vide: dumping), mas com conveniência maior (afinal, centralizado é sempre mais conveniente que distribuído)
- com a tendência natural de network effect, o serviço acumula usuários a ponto de “todo mundo estar nele” (network effect)
- uma vez que a fase anterior andou suficientemente, a base de usuários (especialmente, do lado dos usuários que provê conteúdo comercialmente à plataforma, os “parceiros”) estará “presa” à sua rede (ie, com esforço investido demais nela para migrar para outra [ex: likes na página da sua empresa no Facebook, pontuação de recomendações no Uber ou Airbnb], vide: vendor lock-in), aí pode “monetizar” em cima deles à vontade, eles não têm pra onde ir.
Resumindo, aparentemente a grande sacada do emprendedorismo moderno é construir um monopólio virtual como atravessador pela internet.
[*] essa fase funciona mais fácil se você estiver na grande San Francisco**
[**] preferencialmente se você já tiver passado pela fase 1 em San Francisco também***
[***] e especialmente se tiver sido por alguma encubadora de lá, tipo YCombinator****
[****] suas chances de entrar na YCombinator aumentam se você vier de alguma universidade tipo MIT ou Caltech
🔗 Economia: tudo está ligado
Não existe essa de tentar entender a economia do Brasil sem entender a do mundo.
Depois da crise de 2008, o Primeiro Mundo apertou o cinto e os especuladores jorraram dinheiro nos mercados emergentes, que não aprenderam a lição com os primos ricos e se endividaram loucamente. Mas não consigo olhar essa tabela abaixo e não lembrar dos telejornais lá por 2012 reclamando que o PIB do Brasil não conseguia crescer a ritmo chinês (lembram do papo do “pibinho”?)… Aí a gente olha essa tabela e pensa: “a que custo?”
Achar que “o PT fez isso” é tão ingênuo quanto achar que a onda de privatizações na década de 1990, que foi da Europa à África à América Latina, “foi obra do PSDB”.
A derrubada do preço do petróleo foi uma cartada de mestre pra desestabilizar os BRICS, que foram pegos com as calças na mão por terem entrado na euforia do endividamento fácil (mesmo canto da sereia que atingiu o Primeiro Mundo em 2008). E alguém se surpreende que a Rússia, país mais atingido do grupo agora, resolveu agora mandar a sua força aérea pro Oriente Médio?
🔗 Quem não tá entendendo o que tá rolando, só imagine…
Compartilhando o post de Heitor Korndorfer, que eu havia compartilhado no Facebook anteriormente e que desapareceu durante o dia de hoje, aparentemente por causa de um bug no Facebook.
Segue o post do Heitor abaixo:
Quem não tá entendendo o que tá rolando, só imagine:
- Você é professor, se fode pra caralho, e paga há anos uma parte do seu salário para o fundo de previdência estadual.
- Um governador QUEBRA o estado financeiramente. Ele e integrantes de sua família são investigados por corrupção. Jornalistas que investigam o caso são ameaçados de morte. [1]
- Este governador precisa de dinheiro pois não consegue nem colocar combustível nas viaturas da polícia do estado. [2]
- Onde ele vai arranjar dinheiro? Exatamente no fundo que você pagou durante toda a sua vida para a sua previdência. Para efetivar esse roub.. quer dizer, artifício, ele precisa mudar a lei.
- Ele tem a assembleia legislativa aos seus pés, e com trocas políticas garante que os deputados vão aprova-la.
- Você fica puto, pois se essa lei for aprovada, os pagamentos da previdência só ficarão com fundos garantidos até 2021. Ou seja, ele vai usar o dinheiro da SUA aposentadoria para consertar o rombo que ELE MESMO criou, e você poderá ficar a ver navios nessa.
- O que fazer? ÓBVIO, você entra em greve. Aí ele mexe uns pauzinhos para o pessoal do judiciário mandar os professores de volta as aulas e ameaça descontar seu salário.
- Você continua lá, vai lutar pelos seus direitos, não interessa o salário de hoje. Interessa a sua aposentadoria.
- Você volta pra casa assim.
[1] http://oglobo.globo.com/brasil/jornalistas-que-investigam-denuncias-de-corrupcao-pedofilia-sao-ameacados-no-parana-15914287
[2] http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/por-falta-de-pagamento-mais-viaturas-da-pm-ficam-sem-combustivel-4qrkthgxolxxkrjpra04n4t3i
foto: Gabriel Rosa/Secretaria Municipal de Comunicação Social
🔗 Velho Mundo e Novo Mundo
Às vezes as pessoas fazem uma cara engraçada quando estou falando de algum assunto — tipicamente cultura ou política — e eu uso as expressões Velho Mundo e Novo Mundo. Parece que eu falei algum anacronismo, ou que estou resgatando algum conceito empoeirado lá das aulas da sétima série.
Hoje vi um mapa que me relembrou dessa distinção, então acho que ajuda a pôr no concreto o quanto ela existe e ainda transparece nos dias de hoje.
Países onde a pessoa se torna um cidadã simplesmente por nascer dentro dele:
Legenda:
- preto - sim
- branco - não
- cinza - não pôde ser confirmado
(Via esse post no Twitter)
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