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🔗 How you look, how you sound, what you say: Alexandre Garcia e o preconceito linguístico

Circulou hoje na internet o vídeo de um comentário de Alexandre Garcia criticando o uso no ensino de um livro que trata da noção de preconceito linguístico. Foi um dos links mais divulgados no Twitter ao longo do dia.

Ao tentar entender o porquê de tamanha comoção na internet a favor do vídeo, lembrei de uma frase do hilário Eddie Izzard que minha namorada gosta de repetir: “o que conta pra maioria das pessoas é 70% a sua aparência, 20% como você soa, e 10% o que você diz” (no original: “it’s 70% how you look, 20% how you sound, 10% what you say”).

Toda vez que vídeos como esse circulam eu tenho a sensação de que as pessoas se identificam com o tom do discurso: todo mundo tem uma indignação com o “estado atual das coisas” (mesmo que isso seja um conceito um tanto vago) e gostaria de um Brasil melhor.

Quando aparece alguém que soa que está fazendo um discurso indignado em prol de um Brasil melhor, sempre ganha de cara bastante simpatia. Quando a sua aparência é respeitável — afinal, é um comentarista na Rede Globo! — imediatamente ganha algum crédito.

Resta o que ele diz. Dado que o que ele diz trata de um debate sobre variações linguísticas que ele apenas vagamente distorceu e de que a maioria das pessoas não está ciente, os outros dois fatores dominam e o vídeo é um hit certo.

A argumentação de Garcia apresenta vários pontos aparentemente válidos, mas distorce totalmente a questão da política pública em relação a variações linguísticas em vigor desde o governo FHC e mantida pelo PT (portanto não é uma questão partidária). É natural que quem não está a par do assunto se assuste com a ideia de “um livro que defenda falar errado”.

Porém, o que se defende não é isso. O que se defende é reconhecer que é fato que não se fala como se escreve, e que diferentes grupos falam de maneiras diferentes, em sotaque e em gramática. E sim, tanto na fala como na escrita o “aceitável” varia conforme a situação. Aqui no blog escrevo de forma mais relaxada do que se estivesse escrevendo um texto acadêmico. Dando uma palestra, falo de forma mais monitorada do que falando com os amigos.

O ponto central é que nenhuma dessas falas corresponde à escrita. Todo mundo fala de um jeito e escreve de outro. Até o Alexandre Garcia, que no próprio vídeo diz “e é óbvio que a raiz de tudo TÁ na capacidade de se comunicar” (aos 0:51). Por esse motivo, não procede o argumento dele que diz “Renata, quando eu TAVA no primeiro ano do grupo escolar e a gente falava errado a professora nos corrigia porque ela estava nos preparando pra vencer na vida”… bom, sr. Garcia, segundo essa lógica de que só a norma culta é certa, você continua “falando errado”, mas pelo visto conseguiu vencer na vida mesmo assim, não?

O que pessoas como ele querem é esconder o fato de que alguns erros são aceitos em um determinado contexto e classe social (até um comentarista da Rede Globo pode dizer “tá” e “tava”) e outros não são (dizer “as mina” é coisa de gente “sem educação”). Isso, resumindo em uma frase, é o preconceito linguístico. [Na prática, isso varia conforme o lugar também: no Rio Grande do Sul as classes média e alta “comem” os plurais ao falar muito mais do que no Rio de Janeiro, por exemplo, onde isso tem uma percepção mais forte de fala de classe baixa.]

O que o MEC defende é que não há lógica em relevar que o aluno de classe média fale “a gente tava” e oprimir o aluno de classe baixa que fale “as mina” — o que se deve é ensinar a ambos que se escreve “a gente estava” (ou “nós estávamos”) e “as meninas”, e que conforme o lugar onde eles estiverem é mais aceitável falar de um jeito ou de outro.

Alexandre Garcia fala em “educação rígida, tradicional e competitiva”. Pode até soar bonito em um discurso indignado que se coloca contra uma suposta “chancela para a ignorância”. Mas nós queremos “educação rígida” em vez de ensinar adaptabilidade num mundo tão dinâmico como o de hoje, “educação tradicional” em vez de inovadora, e “educação competitiva” em vez de colaborativa? Eu não quero.

Ainda assim, é triste ver que o “how you look, how you sound, what you say” se aplica a essa história em outro nível: se a sua aparência não for respeitável (como a do comentarista da Globo) e a sua retórica não for eloquente (como a dele), os seus desvios da norma culta não vão “passar batido” como os do Alexandre Garcia, e ainda vai ter gente na TV discursando para que o seu modo de falar seja combatido.

Para saber mais sobre a polêmica em torno do livro “Por uma vida melhor” e as variações linguísticas, recomendo este texto.

🔗 A falácia das prioridades

A conclusão a que eu quero chegar nesse texto é um tanto óbvia, mas é impressionante o quanto ainda vemos argumentos do tipo “com tanto X a ser feito, como é que se gasta tempo/dinheiro em Y”. Esses tempos mesmo, vi um desses: a @rosana (cuja bela palestra eu tive o prazer de assistir no TEDxPortoAlegre 2010) tuitou que tinha vergonha do padrão de plugs e tomadas do Brasil. Expliquei que o novo padrão de plugs do Brasil é a proposta da ISO para um padrão mundial, e o Brasil foi o primeiro país a adotar. Ela respondeu: “Taí um pioneirismo que dispenso, num pais com 30 milhões de analfabetos funcionais. Tem outras prioridades”.

Eu poderia simplesmente perguntar “o que tem a ver a educação com as tomadas?”, mas deixei pra lá, pois a resposta certamente seria que o custo total de mudar o padrão de tomadas seria melhor investido em educação. Um argumento que à primeira vista parece sensato, especialmente quando não paramos para avaliar o custo total de coisas que queimam por falta de aterramento, o impacto de saúde dos choques elétricos causados pela falta do relevo na tomada adotado em muitos países, o fato de que as tomadas são compatíveis com 80% dos aparelhos elétricos no Brasil, o fato de que no Brasil imperava uma salada entre padrões europeu e americano, etc. Ou seja, quando desqualificamos algo, tratando como pouco importante (ou mesmo inútil) o contra-argumento de que “o governo deveria gastar este dinheiro em escolas/hospitais” sempre vem à tona.

Pensei nisto ontem enquanto estava na sala de espera do Hospital Israelita Albert Sabin, onde há um cartaz explicando o sistema de prioridades que eles utilizam. Cada paciente na espera da emergência ganha uma pulseirinha de papel colorido, indicando um nível de prioridade: vermelho para o mais prioritário, depois laranja, amarelo, verde ou azul. Fiquei pensando então em como funcionaria o critério deles para determinar quem é atendido primeiro.

A primeira reação “sem pensar” é a que primeiro se atendem as pulseiras vermelhas, depois as laranjas e assim por diante. Certamente, porém, o sistema não pode funcionar assim, pois se houver dois pacientes vermelhos, e cada vez que um for chamado chegar mais um paciente vermelho, os pacientes das outras cores nunca serão atendidos e ficarão se acumulando na sala de espera. Nesse caso, tem que haver um momento em que há um paciente vermelho na sala de espera e ele é deixado esperando e um paciente laranja é chamado no lugar. O mesmo vale em relação a laranja versus amarelo e todas as demais cores. Então, mesmo que hajam pacientes com pulseiras de todas as cores na sala de espera, uma hora o paciente com pulseira azul tem que ser chamado.

Esse problema é chamado de escalonamento e é muito estudado em computação. É dessa mesma forma que o sistema operacional decide como distribuir os dois ou quatro cores do seu processador para os dez programas (e as vinte abas do Firefox) que você tem abertos, além de tudo mais que o sistema precisa fazer para manter o computador funcionando e que você não vê. Eles formam uma fila distribuída por prioridades. Existem critérios para atender as filas de modo que as tarefas mais prioritárias esperem menos para executar. As tarefas menos prioritárias vão esperar mais, mas é preciso garantir que elas não fiquem empacadas esperando para sempre, o que em computação se dá o apriopriado nome de “starvation” (”inanição” em inglês, referindo-se que a tarefa “morre de fome” esperando e nunca ganha a sua vez). Usar bons esquemas de escalonamento é fundamental para que o sistema passe a impressão de que tudo está “rodando macio” sem travar. Os múltiplos cores do processador ficam alternando no atendimento aos programas, mas todos aparentam fluir de forma contínua. Não há uma solução simples para o problema; por isso, é tema de constante pesquisa.

Hoje estava andando pela rua e olhei para uma árvore plantada na calçada. Pensei no gasto do Estado para botar e manter aquela árvore ali. Olhei para a trilha de árvores na rua, uma após a outra. Uma árvore sozinha certamente ganharia uma pulseirinha azul, mas a arborização da cidade como um todo é muito mais importante: ninguém quer viver em uma cidade com escolas e hospitais mas sem nenhuma árvore. Assim como no escalonamento em um computador, é preciso compreender que o conjunto das coisas menos importantes tem também a sua importância.

O erro no “contra-argumento das prioridades” ocorre quando ao dizer “com tanto X a ser feito, como é que se gasta tempo/dinheiro em Y”, dá-se a entender que X e Y são mutuamente exclusivos. É claro que ao se tratar de recurso limitado com tempo ou dinheiro, toda alocação exclui outra, mas na realidade não significa que ao fazer X não se pode fazer Y também. A solução, claro, é dar pesos às coisas: fazer um pouco de X e muito de Y, caso se considere que Y é tão mais importante que X. É a falácia da “falsa bifurcação”: dizer que uma situação é “ou um ou outro” quando na verdade não é. Escolas e hospitais, pela sua justa importância, sempre têm grande apelo em um argumento. Mas isto não torna necessariamente certo destruir praças para construir hospitais.

Acho válido que as pessoas tenham opiniões negativas sobre o padrão de tomadas, a alocação dos recursos públicos ou o que quer que seja. Mas por favor, discutam os méritos ou deméritos das coisas em si, e evitem usar dos chavões “com esse dinheiro dava pra fazer X escolas”, ou “com tanta gente precisando de hospital”. Educação e saúde são, sim, prioridades, mas não vamos nos esquecer que as coisas “menos prioritárias” (meio-ambiente? arte? cultura? esporte?), em conjunto, também têm a sua importância e contribuem para um povo mais saudável e educado. Como eu disse no início, essa conclusão é um tanto óbvia, mas ainda assim se vê muito esse erro por aí.

🔗 Lua’s and-or as a ternary operator

Lua is a nice programming language, which allows for readable and concise code. One of my favorite idioms in the language is this:

x = a and b or c

which usually works like the C ternary operator, “a ? b : c”, but in a more readable fashion. This works in Lua because the “and” and “or” operators return their matching value when they get a “true” value (anything other than false and nil).

One thing to keep in mind though, is that this is really “and and b or c” and not “a then b else c”. There’s one big difference: when you want to have nil or false in your “then” value.

Lua 5.1.4  Copyright (C) 1994-2008 Lua.org, PUC-Rio
> = true and 10 or 20
10
> = false and 10 or 20
20
> = true and nil or 20
20

An ugly alternative is to do “not a and c or b”, like this:

> = not true and 20 or 10
10
> = not false and 20 or 10
20
> = not true and 20 or nil
nil

But at this point it’s better just to use an “if” statement. (This hack works around the then-as-nil case, but not else-as-nil, of course.)

So, keep in mind that you should use the “a and b or c” construct as if-then-else only if you know that your “b” value is not nil or false.

It’s better, however, to use this construct for what it is. This behavior is not flawed, it is just different, and it has its own uses. For example, it is very useful to check if a table exists:

x = tbl and tbl.key

And to define fallback values:

x = tbl and tbl.key or "missing!"

Note that the above line reads naturally, and you wouldn’t be able to do that with one “?:” operator in C.

🔗 Pensamento sobre as mídias sociais e os grandes acontecimentos

Vendo a repercussão no Twitter sobre a morte do Bin Laden, reitero a mesma percepção que tive no massacre de Realengo. Muito se elogia as redes sociais como nova mídia, trazendo uma nova relação com as notícias, mas o que eu vejo é que esses meios diluem toda e qualquer profundidade dos acontecimentos, tratando toda e qualquer coisa que acontece da mesma forma. O mesmo tipo de reações impulsivas, a mesma falta de reflexão nos argumentos, a mesma mentalidade de rebanho, o mesmo tipo de piadinhas. Não importa o que aconteça.

🔗 Programming language research is a Human Science

Some people often tell me that, due to my various interests, they actually find it weird that I ended up studying Computer Science and not some of the Humanities. I try to explain them that my specific field of interest, programming languages, is actually a Human Science. And that is so for one simple reason: if there was no people, if computing was restricted to computers and there was no human factor, machine language — the binary code that processors actually run — would be enough. Programming languages exist because of people, not because of computers.

This quote puts it rather nicely:

“Programming is a science dressed up as art, because most of us don’t understand the physics of software, and it’s rarely if ever taught. The physics of software is not algorithms, data structures, languages and abstractions. These are just tools we make, use, throw away. The real physics of software is the physics of people.

Specifically, our limitations when it comes to complexity, and our desire to work together to solve large problems in pieces. This is the science of programming: make building blocks that people can understand and use easily, and people will work together to solve the very largest problems.” — Peter Hintjens et al., ØMQ - The Guide

Programming languages are the bridge we use to communicate our ideas to the machine, but also to communicate our ideas among our fellow programmers, and even to ourselves. Like natural languages, programming languages are constantly evolving (at a much faster pace, even!), as we try to balance the tension between being precise and unambiguous and being understandable and eloquent; to be able, in the same piece of prose, to tell a machine what to do and to tell another person what we mean. And this is by no means a matter of numbers.


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